Bônus de contratação e suas implicações
CARF afasta a incidência de contribuições previdenciárias
Iniciamos o ano de 2020 abordando neste espaço mais uma decisão envolvendo questões previdenciárias, temática esta que vem ganhando cada vez mais relevo ante as recentes alterações na legislação trabalhista e novas realidades na relação capital-trabalho.
Dentre essa nova dinâmica, a competição por melhores profissionais tem se tornado cada vez mais premente nas diversas áreas de indústria, com especial relevo no setor da tecnologia de informação, em que a busca por profissionais preparados, criativos e de destaque é bastante acirrada.
A fim de atrair esses profissionais as empresas têm disponibilizado uma série de benefícios, tais como, trabalho remoto, semana de quatro dias, períodos sabáticos, etc., práticas que até pouco tempo atrás eram improváveis em setores tradicionais da economia.
Não obstante essa nova realidade, ainda assim a questão financeira exerce um papel predominante na avaliação de profissionais que se encontram diante de uma oportunidade de mudança de emprego, sendo o chamado “bônus de contratação” uma ferramenta cada vez mais frequente na captação de talentos.
Em seu sentido estrito, o bônus de contratação, comumente denominado de “hiring bonus”, consiste naquela parcela de valor utilizada por determinada empresa para atrair profissionais que já se encontram empregados em uma empresa terceira. São valores disponibilizados pela empresa contratante como um estímulo ao profissional para troca de empregador, de modo não apenas a incentivá-lo a implementar tal mudança, mas também a indenizá-lo por eventuais perdas financeiras decorrentes desta mudança de empregador.
Tais “perdas” geralmente consistem na perda de eventuais valores devidos a título participação de lucros e resultados que tal profissional teria direito (ou, ao menos, tinha expectativa) de receber caso permanecesse no seu empregador até o final de seu contrato ou outro período.
Ou seja, é possível dizer que o bônus de contratação tem natureza dúplice, pois não apenas representa um estímulo financeiro imediato ao profissional que se pretende contratar, mas também faz as vezes de uma indenização dos ganhos, reais ou potenciais, que o profissional teria direito a perceber caso permanecesse em seu emprego presente.
Sobre este ponto, ou seja, a natureza jurídica dos bônus de contratação, recentemente Turma da Segunda Seção do CARF voltou a se manifestar de modo a afirmar que “não integra o conceito de salário-de-contribuição os valores pagos à título de bônus de contratação (…) quando não restar demonstrado que foram pagos em decorrência da prestação de serviço”, entendimento este firmado por maioria de votos da turma. (Acórdão nº 2402-0007.616).
Vamos à análise do acórdão
O acórdão ora em destaque decorreu de exigência formalizada pela Fiscalização para cobrança de contribuições sociais destinadas ao FNDE e INCRA, calculadas sobre os valores pagos a título de bônus de contratação. De acordo com a Fiscalização, as contribuições seriam devidas na medida em que tais bônus seriam decorrentes de uma “retribuição ao trabalho prestado”, de modo que presente estariam as condições previstas no art. 28, I da Lei nº 8.212/91, para enquadramento do conceito de ”salário-de-contribuição” sobre tais parcelas, tendo sido tal entendimento mantido em acórdão proferido pela Delegacia Regional de Julgamento – DRJ.
Na construção dos fundamentos para o lançamento, sustentou a Fiscalização que o bônus de contratação seria uma espécie de “bônus antecipado com o objetivo de remunerar o empregado recém-contratado pelos serviços que prestará ao longo do contrato de trabalho”. Ou seja, nos termos do raciocínio empreendido pela Fiscalização não haveria que se falar em caráter indenizatório ou mero estímulo à mudança de empregador, mas sim que tais valores seriam apenas uma antecipação daquilo que seria devido ao novo empregado pelo trabalho a ser exercido na nova empresa.
Destaque-se nos fundamentos que a relação feita pela Fiscalização para vincular tal bônus à uma antecipação dos valores que seriam devidos em função dos serviços é feita a partir da suposta qualificação do novo empregado, pois tal qualificação seria um indicativo claro dos resultados esperados a partir de tal contratação. Nesta linha, argumentou a Fiscalização que os valores pagos a título de bônus de contratação deveriam integrar o conceito de salário-de-contribuição, pois tal bônus “visa remunerar o promissor empregado recém-contratado pelos serviços que prestará ao longo do contrato de trabalho, isto é, a empresa o atrai ao seu quadro profissional pelo resultado laboral que dele espera, pagando-lhe um bônus salarial pelo seu potencial produtivo”.
Percebe-se no excerto acima uma certa contradição da Fiscalização em suas premissas, pois ao mesmo em que afirmar que o critério para inclusão do conceito de salário-de-contribuição seria a prestação de serviços, no caso em tela tratou de caracterizar o bônus de contratação como sendo uma remuneração por futuros serviços, serviços estes que eventualmente podem não ocorrer ou mesmo ocorrer em uma medida menor do que aquela esperada quando da contratação.
A fim de contestar tais premissas, o Contribuinte litigante nos autos, corretamente asseverou a ausência do caráter contraprestacional, pois “no momento do pagamento não há formalização do vínculo de emprego”, razão pela qual tais valores apenas representariam um acréscimo patrimonial ao beneficiário sujeito ao imposto de renda, mas fora do alcance das contribuições previdenciárias.
De mais a mais, em linha com a conceituação tradicional aplicável ao bônus de contratação, destacou o Contribuinte que tais valores nada mais são do que “estímulos para que o empregado deixe sua posição atual em outra empresa, sendo verdadeira indenização pelas perdas decorrentes da troca de emprego”.
Considerando o cenário fático e argumentativo apresentado, alinhou-se o CARF à tese do Contribuinte, tendo em vista ter verificado que o bônus de contratação teria sido pago quando da contratação do empregado, momento que em sequer havia iniciado a relação de emprego e, muito menos, serviços haviam sido prestados. De igual maneira, acatou a tese de que tais valores teriam caráter indenizatório, justamente como sendo uma compensação pelas oportunidades (teoria da “perda de uma chance”) que o empregado abriu mão ao trocar de empregador.
Por fim, foi destacado no acórdão em comento que as premissas adotadas no voto condutor estão em linha com julgados mais pretéritos do próprio CARF, ou seja, há uma tendência de consolidação da matéria naquele tribunal no sentido de afastar a inclusão dos valores de bônus de contratação no conceito de salário-de-contribuição quando tais valores forem (i) pagos em momento anterior ao início da contratação ou prestação de serviços; e (ii) as condições contratuais para o recebimento estarem desvinculadas de qualquer obrigação de desempenho vinculado à prestação de serviços pelo novo empregado.
Fonte: JOTA
22 jan. 2020