Alterações com a reforma trabalhista: o dano extrapatrimonial
Os esforços das classes no sentido de compatibilizar as novas regras à Constituição de 1988 e à própria tradição protetiva do Direito do Trabalho são vários. Destaca-se o ajuizamento, pela ANAMATRA – Associação Nacional dos Magistrados do Trabalho – da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 6050, sob o argumento de que a delimitação do quantum indenizatório para dano extrapatrimonial (art. 223-G, CLT) fere o princípio da isonomia, sendo este de natureza constitucional.
Trata-se, pois, de relevante iniciativa da Associação para trazer à tona reflexões de mais uma das regras inauguradas pela Lei 13.467/2017: o dano extrapatrimonial.
O dano extrapatrimonial sob a ótica celetista
Dentre os grandes destaques da legislação reformista, encontra-se a positivação, no texto da CLT, de regras referentes ao dano extrapatrimonial. Segundo o próprio legislador, “causa dano de natureza extrapatrimonial a ação ou omissão que ofenda a esfera moral ou existencial da pessoa física ou jurídica, as quais são as titulares exclusivas do direito à reparação” (art. 223-B).
Logo após vigência da Lei 13.467/2017, foi publicada a Medida Provisória 808/2017 que trouxe algumas alterações bastante expressivas em relação ao dano extrapatrimonial, especialmente quanto à base de cálculo a ser utilizada para definir o valor da indenização devida. Porém, a mencionada MP perdeu validade em abril do mesmo ano, fazendo com que fossem retomadas as regras implementadas pela Lei.
O art. 223-C, referente ao rol de bens juridicamente tutelados e inerentes à pessoa física. São eles: honra, imagem, intimidade, liberdade de ação, autoestima, sexualidade, saúde, saúde, lazer e integridade física.
Para a pessoa jurídica, os bens a serem juridicamente tutelados são, nos termos do art. 223-D, a imagem, a marca, o nome, o segredo empresarial e o sigilo da correspondência são bens juridicamente tutelados inerentes à pessoa jurídica.
Assim, pode-se afirmar que haverá dano de natureza extrapatrimonial quando os valores e direitos inerentes à pessoa natural e à pessoa jurídica forem violados, lhes causando dor moral ou existencial.
Sobre a positivação do dano extrapatrimonial, merecem destaque as seguintes regras:
- responsáveis pelo dano: aqueles que tenham colaborado para a ofensa ao bem jurídico tutelado, na proporção da ação ou da omissão;
- o reconhecimento e regulamentação do dano extrapatrimonial não exclui a possibilidade de condenação por danos materiais, podendo os pedidos serem feitos de forma cumulativa, cabendo ao juiz, na decisão, especificar valores devidos em relação a cada um;
- os lucros cessantes e os danos emergentes integram o conjunto de danos materiais (perdas e danos) e o valor que lhes seja atribuído não interfere no valor do dano extrapatrimonial. A possibilidade de se reconhecer valores distintos, a título de perdas e danos e danos extrapatrimoniais se justifica pelo fato de os bens jurídicos tutelados serem diversos.
Outro grande ponto que merece destaque foi a tentativa de quantificação do valor a ser pago a título de indenização, limitando a arbitrariedade do magistrado que definia, de acordo com as particulares de cada caso analisado, o valo devido. Embora não possa o magistrado definir o valor da indenização, cabe a ele definir o “grau” ou natureza da ofensa. Para tanto, deverá considerar, de acordo com art. 223-G, da CLT:
- a natureza do bem jurídico tutelado;
- a intensidade do sofrimento ou da humilhação;
- a possibilidade de superação física ou psicológica;
- os reflexos pessoais e sociais da ação ou da omissão;
- a extensão e a duração dos efeitos da ofensa;
- as condições em que ocorreu a ofensa ou o prejuízo moral;
- o grau de dolo ou culpa;
- a ocorrência de retratação espontânea;
- o esforço efetivo para minimizar a ofensa;
- o perdão, tácito ou expresso;
- a situação social e econômica das partes envolvidas;
- o grau de publicidade da ofensa.
A partir destes critérios, o ofensa pode ser caracterizada como sendo de natureza leve, média, grave e gravíssima. O legislador reformista definiu, na quantificação do valor da indenização (fato que, por si só, já é suficiente para levantar inúmeras discussões), definiu como base de cálculo o último salário contratual do ofendido.
Vale destacar que, embora o magistrado tenha uma certa liberdade para definir a gravidade do dano, ele está condicionado à aplicação da base de cálculo definida pelo legislador reformista: salário contratual do ofendido. Será esta mesma base de cálculo se o agressor for o empregado. Dessa forma, a quantificação do dano extrapatrimonial, considerando a gravidade da ofensa, foi assim definida:
- ofensa de natureza leve, até três vezes o último salário contratual do ofendido;
- ofensa de natureza média, até cinco vezes o último salário contratual do ofendido;
- ofensa de natureza grave, até vinte vezes o último salário contratual do ofendido;
- ofensa de natureza gravíssima, até cinquenta vezes o último salário contratual do ofendido.
Quanto à ofensa à pessoa jurídica, merece destaque o parágrafo segundo, do art. 223-G, da CLT:
§ 2o Se o ofendido for pessoa jurídica, a indenização será fixada com observância dos mesmos parâmetros estabelecidos no § 1o deste artigo, mas em relação ao salário contratual do ofensor.
Para finalizar, a regulamentação do dano extrapatrimonial não prejudica a Súmula 392, do TST, que, em consonância com o art. 114, da CR/88, reconhece como sendo da Justiça do Trabalho a competência para processar e julgar ações de indenização por dano moral e material, decorrentes da relação de trabalho, mesmo que ajuizadas por dependentes ou sucessores do trabalhador falecido.
Considerações finais
O objetivo do legislador reformista foi, diante de um cenário de distorções decisórias em relação ao valor indenizatório, tentar delimitá-lo para que, assim, exista uma proporcionalidade e equilíbrio no exercício da atividade jurisdicional ao retirar do magistrado a liberdade de o definir.
Porém, deixando clara a imaturidade com que algumas das novas regras foram implementadas, o art 223-G se apresenta em nítida afronta à CR/88, na medida em que não garante a isonomia, mas a intensifica; não limita a atividade do magistrado, pois os critérios subjetivos far-se-ão presentes no escalonamento do dano (leve, médio, grave, gravíssimo) e, ainda, não servirá para indenizar aquilo que é, por sua natureza, não indenizável.
A segurança jurídica que tanto se defende não se constrói a partir do enrijecimento legislativo e quantitativo para mensuração de valor indenizatório, mas pelo respeito à constante relação de simbiose que existe entre Direito e Sociedade. Ambos caminham de mãos dadas, em um sucessivo processo de (in)evolução. Neste processo, cabe ao magistrados adequarem o direito positivado aos valores que integram os pilares do Estado Democrático de Direito, previstos no art. 1º, da CR/88, e promover políticas a partir das quais ter-se-á a o respeito ao trabalho enquanto direito social.
Fonte: JOTA, Por Lilian Katiusca – Advogada.
22 jan. 2019