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Eleição no Banco Mundial: por que interessa ao Brasil?

Este é um período turbulento das relações internacionais, de crise do multilateralismo e o risco do esfacelamento do processo de globalização. É neste momento que se abre o processo de seleção da(o) próxima(o) presidente do Banco Mundial, provocado pela súbita renúncia do atual dirigente, Jim Kim, no último dia 7. Para o Brasil, que nas últimas duas décadas teve um papel fundamental nas discussões de governança global, esta pode ser uma oportunidade de reafirmar sua postura frente ao mundo multilateral. Caso não o governo atual não o faça, há muito a perder.

Até 2011, a seleção do presidente do Banco Mundial era simples: os Estados Unidos nomeavam um cidadão americano, geralmente um banqueiro ou um alto diplomata, em geral com poucos conhecimentos sobre desenvolvimento, e o conselho de administração, composto por 25 diretores executivos (EDs) representando mais de 189 países, ratificava o nome. No Fundo Monetário Internacional, os europeus repetiam o mesmo procedimento, elegendo um dos seus – como foi o caso da atual dirigente, a francesa Christine Lagarde. Tratava-se de um “acordo de cavalheiros” estabelecido desde quando foi criado o Sistema Bretton Woods, centrado nestas duas instituições, em meados dos anos 40.

Apesar dos países excluídos deste acerto por décadas reclamarem por serem tratados como acionistas de segunda classe, o “acordo” prevaleceu intacto até a crise de 2008. Naquele ano, os membros do grupo das maiores 20 economias, o G-20, são conclamados pelo próprio presidente dos Estados Unidos, George W. Bush, a serem parte ativa da solução para a crise global iniciada com o derretimento do sistema financeiro norte-americano. Aí já ficara claro que, dada a profunda conexão entre economias e sociedades, os problemas multilaterais já não poderiam ser administrados sem a participação “ativa” das chamadas economias emergentes. Países como o Brasil, a China, a Índia e a Rússia não só seriam fundamental para uma resposta coordenada à crise, mas também eram chamados a compartilhar do custo de iniciativas internacionais.

Quem paga a conta, quer representação. Não surpreendentemente, o conselho de administração do Banco Mundial aprovou em 2011 um processo de eleição do seu presidente, que previa uma seleção meritocrática e transparente. Para aqueles acostumados ao mundo pré-crise de 2008, parecia ser “para inglês ver” – quase literalmente. Afinal, quem se candidataria a uma posição sabendo que a pessoa nomeada pelo Tesouro Americano seria escolhida? De forma surpreendente, alguns diretores executivos do chamado grupo dos 11 – diretores que representam a maioria dos países em desenvolvimento no Banco Mundial – tomaram para si a missão de encontrar candidatos de qualidade e projeção internacional dispostos a entrar na corrida.

O grupo de países liderados pelo Brasil, por exemplo, lançou o colombiano, José Antonio Ocampo, o ex-ministro das finanças, ex-secretário executivo da CEPAL, e especialista internacional em temas de desenvolvimento. Alguns diretores africanos lançaram Ngozi Okonjo-Iweala, ex-ministra da Nigéria, com ampla experiência multilateral, inclusive no Banco Mundial.

Tanto Ocampo quanto Okonjo-Iweala tiveram reais condições de ganhar, devido a campanhas bem organizadas e com conteúdo. Porém, foi eleito o candidato americano, e este resultado levou a que alguns criticassem a relevância do processo. Entretanto, não tenho dúvidas: esta primeira eleição do presidente do Banco Mundial foi um grande avanço. Por exemplo, rompendo a tradição de décadas, os Estados Unidos foram obrigados a apresentar um candidato com credenciais e entendimento sobre reais problemas do desenvolvimento. Os três concorrentes apresentaram visões distintas, e alternativas, sobre o futuro da instituição, de todo o sistema Bretton Woods e do multilateralismo – e muitas delas foram incorporadas pelo candidato americano.

Por fim, Jim Kim, juntamente com altos funcionários do Departamento de Estado – o ministério de relações exteriores dos Estados Unidos – visitou, em campanha, alguns países-membros importantes, inclusive ao Brasil em abril de 2012. Estas visitas resultaram em compromissos, incluindo a de continuar apoiando o desenvolvimento em economias de rendimento médio e de abrir espaço de para a participação na alta administração do Banco. Por sinal, no caso do Brasil, esta promessa foi cumprida com a nomeação de Joaquim Levy para a posição de diretor financeiro em 2015.

A saída de Jim Kim reabre a possibilidade de um processo semelhante. Desta vez, o que está em jogo parece bem mais do que na eleição anterior. Trata-se de um momento em que se abrem guerras comerciais por todos os lados, em que há um risco iminente de nova recessão, e em que as consequências da crise climática já se tornam evidentes. Qualquer espaço para a discussão do sistema multilateral é absolutamente crucial, e pode definir parcerias e lideranças nas soluções de temas globais urgentes. Por fim, tendo em vista o atual estado das relações dos Estados Unidos com alguns dos principais parceiros no mundo multilateral, há, mais do que em qualquer momento da história de Bretton Woods, a real chance de uma candidatura não americana para a presidência do Banco Mundial.

E para o Brasil, o que interessa neste jogo? Pensemos em dois planos. No curto e médio prazo, o Banco Mundial pode ser importante no enfrentamento de diversos desafios nacionais. Por exemplo, Brasil tem uma ampla necessidade de investimentos em infraestrutura e logística, e restrições fiscais e financeiras para realizá-los. Como a atual equipe econômica tem ressaltado, bancos multilaterais podem ser instrumentos dentro de uma plataforma internacional para atrair recursos financeiros e não-financeiros, nacionais e estrangeiros, voltados à ampliação destes investimentos.

Apesar deste desejo do Brasil, o Banco Mundial está de novo se afastando de sua atuação em países de rendimento médio, como o Brasil, especialmente em projetos de infraestrutura – tendência que só tende a agravar caso a estratégia daquela instituição não se modifique imediatamente. Mudar esta agenda requererá um grau de alavancagem que um maior protagonismo na seleção do(a) futura(o) presidente pode propiciar.

Por fim, no momento em que o Brasil repensa sua posição no tabuleiro econômico e político global, os demais parceiros internacionais vão estar acompanhando de perto o nosso posicionamento. Será um momento crítico para marcar sua posição em relação ao futuro das organizações internacionais, e demonstrar as suas próprias ambições enquanto uma das 10 maiores economias globais.

A meu ver, se não apresentar uma candidatura, o Brasil tem pelo menos lutar para que possa efetivamente haver uma eleição, com pelo menos três candidata(o)s, e forçar um debate sobre o futuro da instituição. Do contrário, arrisca ser visto como um acionista menor do sistema multilateral – um mundo que não perdoa os que se apequenam, quando deveriam demonstrar seu valor e seu protagonismo.

 


Fonte: JOTA, Por Rogério Studard – Doutor em economia.

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21 jan. 2019